Tudo culpa do sol

Me preparando pra sair de casa, hoje cedo:

‎-Valentina, olha a hora! Estamos atrasadas!
-Why, mami?
-Por quê? Porque você não queria acordar, oras. [levei VINTE minutos pra arrancar a Bela Adormecida da cama]
-Mas, mamãe! O sol não quer acordar!
-Nem você, né?
-Não.

Não sei a quem puxou, sabe. Parece até a mãe, que adora dormir.

Criança vê, criança faz.

Valentina, atazanando o dia todo. Correndo, dando piti, jogando coisa longe e por aí vai. Até que eu, no limite da paciência, falo:
– Eu estou de saco cheio de você fazer tudo isso. Vamos embora agora.
E ela solta:
-Estou de SACA CHEIA você também!

‘Bora ficar quietinha pra não falar coisa errada de novo?

E hoje é dia de poesia

Não sei quantas almas tenhoFernando Pessoa 

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem  alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo :  “Fui  eu ?”
Deus sabe, porque o escreveu.

Spring Cleaning

Sabe quando a vida começa a gritar (porque já vem dizendo há muito tempo) que está na hora de tomar um rumo? De mudar, de correr atrás do que você quer mesmo?

Quando adolescente ou mesmo na faculdade, nunca me imaginava trabalhando em escritório fechado, cheio de papel e bur(r)ocracia. 15 anos depois e onde estou? Trabalhando em repartição pública, escritório fechado, com pilhas de papel e muita, muita burocracia.

Feliz? Não.
Pagando as contas? No limite.
Dá, ao menos, pra crescer, aumentar salário? Nem em sonho.

Daí eu pergunto, quando foi que eu me acomodei e me deixei levar pelo caminho fácil. Quando que isso aconteceu? Não sei, sinceramente.

Sei que quero mudar. Fazer o que da vida? Escrever? O que eu gosto é escrever, mas como? De que jeito? Como garantir que eu vou pagar minhas contas fazendo o que eu gosto. Escrever em português é quase que uma extensão de mim. Mas em inglês? Confesso, está batendo uma insegurança como nunca senti. Não me sinto capaz. Sinto que preciso ser 100%, entender 100% para poder fazer qualquer coisa. Sim, este é meu lado virginiano, de querer tudo nos conformes.

Daí eu me pergunto, cadê aquela coragem que me fez vir para cá, sem falar inglês, sem conhecer ninguém? Aquela coragem que me impulsionou a fazer tantas coisas, a experimentar outra vida tão diferente daquela que eu já conhecia…

Tenho vontade de jogar tudo pro alto. Acordar de madrugada e viver na correria o dia todo até chegar em casa e ter mais correria para fazer i-gual-zinho no dia seguinte está me matando. Dois dias de descanso parecem mais uma tarde e só. Não tenho tempo de realmente curtir minha filha, meu marido, meu cachorro. Quero sair e andar. Cadê o tempo e a disposição? Quero poder fazer uma comida decente em casa, aliás, quero uma casa arrumada e bem decorada, mas tudo isso envolve tempo livre. Cadê isso?

Sim, preciso buscar outro rumo pra mim. Voltar aos bancos escolares parece ser a melhor solução, mas e o medo de não conseguir? Já aconteceu outras vezes e quero garantir que agora vai ser diferente.

Meu corpo está dando sinais claros da exaustão. Essa correria do dia-a-dia só me faz querer chegar em casa e me jogar num sofá e dormir. Mas não dá quando se tem filhos, marido e casa. Tem comida pra fazer, roupa pra lavar, filha pra cuidar, abraçar e curtir. Cada dor que eu sinto me limita mais e mais. Como se estivesse falhando. E cadê a pílula mágica que vai resolver isso?

Estou trabalhando de casa estes dias. Não por escolha, mas pela incapacidade de andar direito, de sentar, de ficar em pé por causa da dor. Há três dias estou a base de tylenol, advil e uma dose triplicada do meu remédio de fibromialgia. Com tudo isso, vem aquele sentido terrível de frustração e fracasso. Como eu queria poder acordar um dia, ao menos um dia, e não me sentir dolorida. De poder dormir na posição que eu quero, sem me preocupar se vai piorar a dor.

Tenho, ao menos, uma médica que me entende e não me julga. É muito difícil de falar nisso e não se sentir rotulada como uma hiponcondríaca. Até pra mim mesma.

Quero poder voltar ao que eu era antes. A Fernanda que gostava de sair, de andar pra cima e pra baixo, com pique, que gostava de chegar em casa e preparar jantar. Cadê? Hoje eu acordo com dor, chego exausta no trabalho, me canso mais ainda até chegar em casa, sem ânimo, sem força pra nada, sem paciência pra nada. Eu não sou assim, não me reconheço em mim mesma.

Escrever, ultimamente, tem sido a minha terapia. Tenho meu diário secreto onde escrevo coisas que não sinto prontas de dividir. Quero poder me entender primeiro, aceitar que algo mudou em mim e buscar forças de um lugar inexistente para sair disso.